Da ribalta à prisão: ética e mentira internacional
Por: Ana Barros, CEO Martech Digital
Meio: Dinheiro Vivo (26 de outubro 2021)
Como é que um produto que nunca funcionou chega a valer 9 mil milhões de dólares? Pode parecer mentira mas, se está a seguir o caso Theranos, sabe que é real.
A CEO, Elizabeth Holmes, continua em tribunal em San Jose, na Califórnia, a responder pelos seus pecados: prometeu que a sua tecnologia inovadora conseguia fazer 240 testes diferentes, incluindo ao cancro e ao colesterol, com apenas algumas gotas de sangue. Afinal, a maioria dos testes eram feitos secretamente com tecnologias de outros fabricantes. Pelo meio, defraudou pacientes, médicos e investidores.
Os detalhes da fraude começam a vir ao de cima no julgamento. Wade Miquelon, o CFO da Walgreens – a segunda maior cadeia de farmácias nos EUA e um dos principais investidores – atribui o negócio à “arte da negociação de credibilidade“.
Sem produto e sem negócio, de que outra forma é que seria possível a Harvard Medical School incluir Elizabeth Holmes no conselho de consultores externos? A resposta é credibilidade. Apesar de ter uma mão cheia de nada, a narrativa de Elizabeth Holmes foi suficiente para convencer pessoas que são uma autoridade na sua área – isso “emprestou” credibilidade a si própria e à Theranos.
Criar bom nome, credibilidade e confiança requer trabalho e, dependendo da empresa, produto ou pessoa, pode levar algum tempo. A maioria das empresas de relações públicas, comunicação e marketing trabalha a imagem com base em conquistas reais: bons conceitos e inovações levadas a bom porto, ano após ano, com trabalho árduo.
Crescimento sustentado e mérito real. Mas não podemos negar que existem consultores que preferem o mercado negro da credibilidade, e que embelezam a sua narrativa e os seus resultados. Os factos contam histórias menos interessantes ou aspiracionais, que geram menos cliques, menos visitas ou são menos partilhadas.
Mas vale a pena? Nunca! Como diz o velho ditado português, “a mentira tem perna curta”, e apesar de muitas empresas não terem consciência disto, a credibilidade e a confiança são o que de mais valioso têm. Seja no mercado de consumo como no empresarial, quando estas variáveis ficam comprometidas os danos podem ser irremediáveis. Mas no business-to-business o impacto é ainda maior.
É verdade que no B2B estão também pessoas. É para elas que falamos, e é a elas que vendemos. Mas as decisões de compra são menos emotivas que no B2C – existem métricas, expectativas, estimativas, KPIs. Quando a confiança e credibilidade se perdem, as vendas, a rede de parceiros, os clientes – toda a cadeia de valor é afetada.
Embora raramente ao mesmo nível da Theranos, não é invulgar ver algumas pequenas fraudes no dia-a-dia, em nome do growth hacking ou da próxima ronda de financiamento. No espaço de um ano, a startup portuguesa “Chic by Choice” passou das listas de sucesso da Forbes e da revista Wired para as listas de startups falhadas.
No ano em que “desapareceram”, ainda anunciavam um showroom num local trendy de Lisboa, tinham influencers a promover a marca nas redes, uma equipa de colaboradores e apoio ao Cliente no horário laboral. Mesmo com a estrutura aparentemente funcional, já não era possível alugar vestidos de luxo, o seu modelo de negócio – só comprá-los. Pergunto: este modelo de negócio alguma vez terá funcionado? Como é possível que tenham obtido financiamentos milionários?
Esta narrativa adulterada é muitas vezes vista como uma mentira inofensiva. Afinal, o objetivo é obter financiamento para se manterem à tona, continuar a desenvolver o produto, empregar pessoas, aumentar a prosperidade e colmatar necessidades do mercado. Mas o que é que acontece quando a ilusão cai por terra?
Há um efeito dominó em que todos perdem: os Clientes, os colaboradores, os investidores. Aliás, toda a sociedade perde. É fundamental no mercado B2B ter uma comunicação coerente e transparente, e que acima de tudo faça jus ao propósito que a marca/empresa definiu para si.
Dicas de leitura
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